PF indicia Bolsonaro e mais 36 pessoas por tramar golpe de Estado
21/11/2024
O inquérito, entregue nesta quinta-feira (21), ao Supremo Tribunal Federal (STF), identifica uma organização criminosa que atuou de forma coordenada na tentativa de manter Bolsonaro no poder em 2022. PF indicia Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito.
O inquérito, entregue nesta quinta-feira (21) ao Supremo Tribunal Federal (STF), identifica uma organização criminosa que atuou de forma coordenada na tentativa de manter Bolsonaro no poder em 2022, após ele ter perdido a eleição.
O relatório final — com 884 páginas — foi entregue ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Trinta e sete pessoas foram indiciadas por crimes como organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito. Na lista estão:
o ex-presidente Jair Bolsonaro, que já foi indiciado em outros inquéritos, o que investiga fraude em cartões de vacina e o que apura se ele e assessores se apropriam indevidamente de joias milionárias de presente quando era presidente do Brasil;
quatro ex-ministros do governo Bolsonaro, sendo três generais da reserva: Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil e da Defesa, e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro à reeleição; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. Na casa dela, a PF encontrou uma minuta com teor golpista;
militares de alta patente: os generais da reserva Estevam Theophilo de Oliveira e Laércio Vergílio; o general da ativa Nilton Diniz Rodrigues; e o almirante da reserva Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha;
assessores próximos do ex-presidente: Filipe Martins, que foi assessor internacional da presidência; coronel da reserva Marcelo Câmara; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez delação premiada; Tércio Arnaud, investigado por integrar o chamado "Gabinete do Ódio";
dois políticos: Valdemar Costa Neto, presidente do PL Alexandre Ramagem, e o ex-diretor-geral da Abin, que hoje é deputado federal pelo PL;
os coronéis do Exército Alexandre Castilho Bittencourt da Silva, Anderson Lima de Moura, Fabrício Moreira de Bastos, Bernardo Romão Corrêa Netto;
os coronéis da reserva Cleverson Ney Magalhães e Carlos Giovani Delevati Pasini;
o tenentes-coronéis Ronald Ferreira de Araújo Júnior e Guilherme Marques Almeida;
o tenente-coronel da reserva Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros;
o major da reserva Ângelo Martins Denicoli;
o subtenente Giancarlo Gomes Rodrigues;
o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros.
O relatório também indiciou quatro dos cinco presos na última terça-feira (19), após a PF descobrir um plano para sequestrar e matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. Os indiciados que já estão presos são:
o general da reserva Mário Fernandes;
os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira;
o policial federal Wladmir Mattos Soares.
Completam a lista dos indiciados:
o engenheiro Carlos Cesar Moretzsohn Rocha;
o policial federal Marcelo Bormevet;
o advogado Amauri Feres Saad;
o padre José Eduardo de Oliveira e Silva;
e os empresários Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho e Fernando Cerimedo.
PF indicia Bolsonaro e mais 36 pessoas por tramar golpe de Estado
Reprodução/TV Globo
Inquérito do golpe
O relatório é a conclusão de uma investigação de quase dois anos, um desdobramento do inquérito sobre a atuação de milícias digitais que se organizaram para atacar a democracia e o estado democrático de direito.
A Polícia Federal afirma que reuniu provas por meio de quebras de sigilo, buscas e apreensões, e colaboração premiada, para confirmar a existência de uma organização criminosa que atuou de forma coordenada para dar um golpe, impedir a posse de Lula e manter Jair Bolsonaro no poder.
No caso dos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de Estado, a lei penal prevê punição inclusive para a tentativa, mesmo que ela não tenha se concretizado.
A previsão está no Artigo 359-L do Código Penal Brasileiro, que diz: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais."
E no Artigo 359-M: "Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído."
As penas máximas para esses dois crimes somam 20 anos de prisão. Com o crime de organização criminosa, a pena pode chegar a até 28 anos de prisão.
Núcleos
As investigações mostram que a mobilização envolvia milícias digitais, um braço operacional e um braço jurídico. A PF dividiu os núcleos de acordo com a atuação de cada um.
O núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral era encarregado de produzir, divulgar e amplificar informações falsas sobre as eleições presidenciais de 2022.
O núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de estado elegia alvos para ampliar os ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas.
O núcleo jurídico fazia assessoramento e elaboração de minutas de decretos com argumentos jurídicos e doutrinários que atendessem aos interesses golpistas.
O núcleo operacional de apoio às ações golpistas planejava e executava medidas para manter as manifestações em frente aos quartéis militares que se formaram após o resultado das eleições, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais, os "Kids Pretos", em Brasília.
O núcleo de inteligência paralela coletava dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões sobre o golpe de estado e monitorava o deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, e do presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice Geraldo Alckmin.
O núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas seria encarregado de anular adversários do golpe, inclusive com uso de violência, com previsão de assassinato ou captura de Lula, Alckmin, do ministro Alexandre de Moraes e quem mais apoiasse as decisões do Supremo Tribunal Federal contra os interesses do grupo.
Nas notas divulgadas nesta quinta-feira (22), a Polícia Federal não indicou como foi a participação de cada um dos 37 indiciados em cada um dos seis núcleos.
Em 2022, em diversos momentos, os indiciados deram declarações em tom golpista que indicavam a disposição de ruptura com a democracia. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro se recusou a passar a faixa presidencial para o sucessor.
Em uma reunião ministerial, em julho, com a presença de Bolsonaro, o general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência da República, já falava em golpismo, adotar medidas alternativas. E fez referência ao golpe militar de 1964.
"Eu acho que realmente, nós temos que ter um prazo para que isso aconteça bem disse, antes que aconteça. Porque no momento em que acontecer, quem vai... É 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo o que se avançou no país? E isso vai acontecer", afirmou Mário Fernandes.
Segundo a PF, no dia 12 de novembro, militares discutiram o plano "Punhal Verde e Amarelo", que previa o assassinato de autoridades. A reunião foi na residência do general Braga Netto, que atuou como ministro da Casa Civil e da Defesa de Jair Bolsonaro - e candidato a vice na chapa dele, derrotada nas urnas.
Em um vídeo divulgado uma semana depois, em uma rede social, Braga Netto saiu do Palácio da Alvorada, depois de conversar com Bolsonaro, e sugeriu a apoiadores que alguma coisa estava para acontecer.
"O presidente está bem, está recebendo gente, não tem problema nenhum. Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês agora. Tem que dar um tempo, tá bom? Eu não posso conversar", disse Braga Netto.
Os pedidos de indiciamento estão sendo analisados pelo ministro Alexandre de Moraes, que é o responsável pelos inquéritos. Moraes afirmou que só deve encaminhar o material para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, na semana que vem. É Gonet quem decide se oferece uma denúncia formal contra os investigados, se arquiva os pedidos ou solicita mais diligências à Polícia Federal. Gonet terá 15 dias para tomar as decisões.
O que dizem os citados
Em uma rede social, Jair Bolsonaro reproduziu trechos de uma entrevista ao site Metrópoles. Segundo Bolsonaro: "O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei."
A defesa de Braga Netto repudiou o que chamou de indevida difusão de informações relativas a inquéritos.
Alexandre Ramagem afirmou que a Polícia Federal escolheu os alvos e depois produziu provas. Ramagem considera que não cabe ao ministro Alexandre de Moraes julgar o caso.
José Eduardo de Oliveira e Silva afirmou que a nota da Polícia Federal com a lista de indiciados é mais um abuso do responsáveis da investigação, que quebra da determinação de Alexandre de Moraes de sigilo absoluto.
A defesa de Alexandre Castilho Bitencourt da Silva disse que faltam provas substanciais. Declarou o compromisso do cliente com o Estado democrático de direito e disse que Alexandre está certo da inocência.
A defesa de Marcelo Costa Câmara e Tércio Arnaud afirmou que falta elemento concreto que os vincule às condutas investigadas. E que o Ministério Público irá reconhecer a necessidade de investigações complementares.
Paulo Figueiredo declarou que não esteve no Brasil em 2022 e que trabalha nos Estados Unidos, onde mora.
A defesa de Ronald Ferreira de Araujo Junior afirmou que ele não participou dos supostos crimes.
A defesa de Almir Garnier afirmou que ele é inocente.
Disseram que aguardam acesso ao inquérito as defesas de Guilherme Marques de Almeida, Amauri Feres Saad e Anderson Torres.
A Defensoria Pública afirmou que ainda não teve tempo de se inteirar das acusações contra Ailton Gonçalves Moraes Barros.
Augusto Heleno, Valdemar Costa Neto e Laércio Virgílio não quiseram se manifestar.
O Jornal Nacional não conseguiu contato com Anderson Lima de Moura, Angelo Martins Denicoli, Bernardo Romão Correa Netto, Mário Fernandes, Nilton Diniz Rodrigues, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Carlos Giovani Delevati Pasini, Fabrício Moreira de Bastos, Fernando Cerimedo, Giancarlo Gomes Rodrigues, Marcelo Bormevet, Rafael Martins de Oliveira e Wladimir Matos Soares.